Better Man

[Sábado a noite, pela milionésima vez essa música (homônima ao conto, do Pearl Jam) falou comigo. Ruminei por meses(anos), até que agora eis o vômito.]

BETTER MAN

Waiting, watching the clock

São quatro da manhã.

O banheiro é pequeno, mal é um banheiro. Ela olha para o espelho:

− Não… te … amo … mais… – a garganta dói. Os olhos ardem.

Apaga a luz do cômodo úmido e fecha a porta com o trinco, não tem maçaneta. Caminha dez passos seus e atravessa dois dos quatro cômodos da pequena casa. Deita na cama, ao lado dele, que dorme pesado o sono dos justos.

Amanhã. Já está tarde demais pra não conseguir esperar amanhecer.

Não fecha os olhos, apenas lembra:

[…]

− Vamos nos casar e vamos ser felizes! – A convicção dele a compra, embora o embrulho no estômago não tenha absolutamente nada a ver com as tais borboletas. Ela tem medo, sempre teve. Casamentos acabam, ele não é o certo, ela não está certa disso.

− Vamos. – o sorriso aparece e os olhos brilham, mas o estômago está embrulhado e ela quer vomitar. – eu te amo.

− E se tivermos um filho, ele pode se chamar…

− Ninguém falou nada sobre filhos! – ela ri, não sabe nada da vida, mas tem a certeza de que não é assim que se começa.

[…]

Ele rola e joga um braço em cima dela. Aproxima o corpo do dele e gela por dentro.

Amanhã.

[…]

Ele ri enquanto ela canta. Não porque acha bonito ou porque ela é feliz quando o faz, mas sim, porque ela fica estranha quando o faz. Desafina, grita demais, parece ridícula.

− Não, − diz entre risos debochados – sua voz é péssima! – ainda o riso.

O riso a irrita, mas ela, como sempre não diz, apenas emburra a cara, na esperança que o olhar o faça entender. Nunca faz.

[…]

Levanta da cama, acende um cigarro perto da janela. Ele parou de fumar, agora não pode mais fumar dentro da própria casa. Ela é fraca, deveria parar, ele parou, ela tinha que parar.

[…]

− Você é boazinha demais … deixa eles te tratarem assim. – “Eles” são a família dela, e ela é mesmo boazinha demais, pensa consigo.

Quando menos espera está gritando dentro de casa, dizendo absurdos. Chora. Sabe que é manipulada, mas é jovem, muito jovem.

[…]

Lava as mãos para tirar o cheiro do cigarro. Sua mãe sabe que ela fuma desde os treze, mas ele não pode mais saber.

Amanhã, daqui a alguns instantes apenas.

[…]

Ele a olha com os olhos marejados:

− Por favor. – implora.

Olhos inchados, mãos doloridas, corpo febril. É jovem ainda, não precisa dele. Grita isso.

− Eu te amo! – ele grita.

A cabeça dói, quer paz, quer que ele vá embora. Dói, ela diz. Ele a abraça. Soluça e aceita. Os olhos dele secam, os dela molham-lhe o rosto, a camisa, os lençóis.

[…]

É a última hora antes de o despertador tocar. Ele vai acordar com o péssimo humor de sempre.

Amanhã…

O despertador toca; agora é amanhã.

Fecha os olhos, finge dormir, (ch)ora por dentro: amanhã, amanhã…

Ele a olha dormir enquanto ele acorda. Estala a língua no céu da boca.

 

Can’t find a better man

Um pensamento sobre “Better Man

  1. Woa, tinha esquecido do quanto eu gosto dos seus textos. Heartbreaking, mas amei absolutamente (você sabe que sou esse tipo de leitora, só me chama nos textos certos! hahaha) KD SEU LIVRO?

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